


Credenciada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - art.167 do CPC. Processo 0000192-30.2017.8.19.0810

IV CURSO DE CAPACITAÇÃO EM MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO


Credenciada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - art.167 do CPC. Processo 0000192-30.2017.8.19.0810
Durval Hale
Presidente da CCMA-RJ
O Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, em seu artigo 3º: a) permite a prática da arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (§ 1º); b) estabelece que o Estado, sempre que possível, deverá promover a solução consensual dos conflitos (§ 2º); c) dispõe que a conciliação e a mediação e outros métodos de solução consensuais de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público (§ 3º).
Como salienta Humberto Theodoro Júnior, os parágrafos do art. 3º, do CPC, não colidem com a garantia de acesso à justiça. E completa: “tem-se como legítima a substituição voluntária da justiça estatal pelo juízo arbitral, na forma da lei.
Questionada a constitucionalidade da Lei nº 9.307/1996, no tocante à força de excluir o Poder Judiciário o conhecimento do litígio contratualmente submetido à arbitragem, decidiu o Supremo Tribunal Federal que a garantia da universalidade da jurisdição do
Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV) não resta ofendida quando o afastamento decorre de vontade negocial livremente manifestada em contrato sobre bens e direitos disponíveis... Ao mesmo tempo o legislador assegura o acesso irrestrito à justiça, preconiza também as virtudes da solução consensual dos conflitos, atribuindo ao Estado o encargo de promover essa prática pacificadora, sempre que possível” (apud “Curso de Direito Processual Civil, volume I, 57ª ed., 2016, ed. Gen Forense, págs. 75/76).
Trata-se de uma tendência atual de valorizar o denominado direito consensual. Com base na teoria normativa da comparticipação, “o novo CPC traz um
conjunto de comandos que fomentam o diálogo e o controle de todas as ações dos sujeitos processuais, como, v.g., a boa-fé processual, a fundamentação estruturada das decisões, o formalismo democrático” (apud “Novo CPC – Fundamentos e Sistematização”, Humberto Theodoro Júnior et alli, ed. Gen Forense, 2015, pág. 62). Tal influência, todavia, não exclui nem diminui a importância da justiça estatal. De acordo com Humberto Theodoro Júnior, “não se trata de desacreditar a justiça estatal, mas combater o excesso de litigiosidade que domina a sociedade contemporânea, que crê na jurisdição como única via pacificadora de conflitos, elevando a um número tão gigantesco de processos aforados, que supera a capacidade
de vazão dos órgãos e estruturas do serviço judiciário disponível. Em diversos países, a cultura social tem desviado grande parte dos conflitos para mecanismos extrajudiciais, como a mediação e a conciliação, que, além de aliviar a pressão sobre a justiça pública, se apresentam em condições de produzir resultados substancialmente mais satisfatórios do que os impostos pelos provimentos autoritários dos tribunais” (ob. Cit., pág. 76).
Nessa linha de pensamento, foi sancionada a Lei º 13.467, em 13 de julho de 2017, a chamada reforma trabalhista, alterando diversos artigos da vetusta
Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943), visando a adequar a legislação às novas relações de trabalho. As modificações legislativas procuram promover o diálogo entre os atores das relações trabalhistas, nesse alvorecer do século XXI.
Podemos, assim, tendo em conta o objetivo deste artigo, destacar alguns artigos recém- alterados ou acrescidos à CLT:
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Art. 444, da CLT vigente, prevê que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas, desde que não contravenha as disposições de proteção ao trabalho, os contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Com a nova lei foi acrescentado o Parágrafo único a este artigo, verbis: A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
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Art. 484-A, da CLT, estipula que o contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, casos em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas: I – por metade: a) o aviso prévio, se indenizado; e b) – a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; II – na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
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Art. 510-A, da CLT, diz que, nas empresas com mais de duzentos empregados, será assegurada a eleição de uma comissão para representá-los, com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregados.
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Art. 510-B, da CLT, acrescenta: A comissão de representantes dos empregados terá as seguintes atribuições, dentre outras: IV – buscar soluções para os conflitos decorrentes da relação de trabalho, de forma rápida e eficaz, visando à efetiva aplicação das normas legais e contratuais.
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Art. 620, da CLT, prevê que “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipulações em convenção coletiva de trabalho.” É a consagração do critério da especificidade, “por considerar que a convenção coletiva entre duas entidades sindicais conteria o básico, ao passo que as empresas com melhores condições de negociação ou empresas em situação de crise financeira aguda poderiam negociar separadamente algumas cláusulas com a entidade sindical, formando um acordo coletivo apartado” (apud “Comentários à Reforma Trabalhista”, de Homero Batista Mateus da Silva, ed. Revista dos Tribunais, 2017, pág. 126).
Da leitura desses artigos, verifica-se que a Lei nº 13.467/17 não proíbe, antes admite, a prática da mediação no âmbito do Direito do Trabalho.
Aliás, a Vara do Trabalho da Comarca de Araripina – Pernambuco, em maio do corrente ano, homologou judicialmente o acordo entre empregador e empregada produzido no âmbito de um procedimento de mediação administrado por uma Câmara de Mediação privada. O conflito consistia no pagamento das verbas do FGTS, cuja empregada fora demitida sem justa causa. Dispensada a empregada, esta não conseguiu sacar o FGTS porque o empregador não tinha realizado o depósito integral dos valores devidos, nem tampouco o valor da multa de 40%. As partes, durante a mediação, chegaram a um acordo: o valor devido será pago em dez parcelas mensais, solução que a empregada concordou expressamente e o acordo foi
judicialmente homologado.
Portanto, na conformidade do art. 484-A, da CLT, a extinção do contrato de trabalho, de forma voluntária e consensual, poderá ser intermediada por uma câmara de mediação. Além disso, nos contratos de trabalho, poderá ser inserida a cláusula de mediação, nos termos do art. 23 da Lei da Mediação (Lei nº 13.140, de 26/06/2015). De qualquer sorte, o acordo obtido deverá ser submetido à Vara do Trabalho para ser homologado, a fim de adquirir eficácia (art. 652, da CLT).
Ademais, no âmbito das comissões de representação dos empregados (art. 510-A, da CLT), o instrumento da mediação poderá ser eficaz, introduzindo a prática, no nosso país, da mediação intraempresarial.
No que diz respeito à arbitragem, a CLT passa a admiti-la: “Art.507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que, por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.”
Dessa forma, a utilização da arbitragem só será adotada, quando: a) o empregado perceber o valor superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, hoje aproximadamente onze mil reais, e b) a iniciativa da inserção ou da celebração em separado da cláusula compromissória for do empregado, ou este concordar expressamente com a inserção ou da celebração apartada da cláusula do contrato individual de trabalho. A adoção da arbitragem fica subordinada ao implemento cumulativo dos dois requisitos legais.
Com efeito, a convenção de arbitragem é gênero de que são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei nº 9.306/97).
Nesse sentido, o art. 4º da Lei nº 9.307/96, estabelece: “a cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato
comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”
E o § 1º do art. 4º, da referida lei, estatui que a cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito de duas formar: a) inserida no próprio contrato a que se refira; ou b) elaborada em documento apartado. De qualquer coisa, a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato a ela referenciada, daí porque a nulidade do contrato não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória (art. 8º da Lei nº 9.307/96).
Por outro lado, não podemos olvidar o que dispõe o art. 1º da Lei nº
9.307/96: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Direitos disponíveis são aqueles que podem ser alienados ou cedidos pelo seu titular. Como salienta Carlos Alberto Carmona, a lei da arbitragem abandonou a fórmula do art. 1.072, do antigo Código de Processo Civil, que se referia a direitos patrimoniais sobre os quais a lei admite transação. A remissão à disponibilidade do direito é objetiva e não oblíqua. Assim “são disponíveis aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto” (apud “Arbitragem e Processo”, ed. Atlas, 2ª ed.2004, pág. 56). Logo se entende que direitos indisponíveis são aqueles que não podem ser alienados, cedidos ou renunciáveis.
A questão é importante porque, no âmbito do direito do trabalho, afirma-se que as relações trabalhistas não devem ser submetidas à arbitragem porque se trata de relações jurídicas indisponíveis, isto é, inalienáveis, incedíveis ou irrenunciáveis.
Todavia, os direitos indisponíveis não são objeto de arbitragem, nem de mediação (ex. direitos personalíssimos, direitos relativos à capacidade, estado civil, nascimento, mudança de nome, emancipação, casamento e sua extinção, alimentos). Mas os efeitos patrimoniais do exercício dos direitos indisponíveis podem ser dirimidos pela arbitragem ou pela mediação.
A propósito, o art. 3º da Lei nº 13.140/2015, estipula: “pode ser objeto de mediação o conflito quer verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos
indisponíveis que admitem transação”, e o § 2º, é expresso: “o consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.”
Essa norma esclarece, com todas as letras, que o direito indisponível não admite alienação, cessão ou renúncia, mas o exercício do direito pode ser
transacionável (ex. o direito a alimentos é indisponível, contudo, admite-se a transação acerca do montante devido, sendo lícita a adoção da arbitragem ou da mediação para essa finalidade).
É o que pode ocorrer com a arbitragem nas relações trabalhistas, mormente nos conflitos decorrentes dos efeitos patrimoniais dessas relações, desde
que a remuneração do empregado seja superior ao valor equivalente a duas vezes o limite máximo dos benefícios do regime geral da previdência social, e a cláusula compromissória esteja inserida no contrato individual de trabalho, por iniciativa do empregado ou mediante a sua expressa concordância.
Por outro lado, o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, na conformidade do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não constitui óbice à
realização da arbitragem no âmbito do direito do trabalho. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a homologação da Sentença Estrangeira – SE 5.206-ES, por maioria de votos, reconheceu a constitucionalidade da Lei federal nº 9.307/96. Portanto, naquela oportunidade, reconheceu-se que a aplicação do instituto da arbitragem não viola o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Como salienta Francisco José Cahali, a lei da arbitragem “não impõe a utilização da arbitragem, mantendo íntegro aos interessados o acesso à jurisdição
estatal, porém, como expressão da vontade e liberdade de contratar, nas questões relativas a direitos patrimoniais disponíveis. Além disso, não se exclui do Poder Judiciário a lesão a direito das partes, pois se a convenção arbitral, ou mesmo a sentença proferida na arbitragem, contiver vícios indicados na Lei, caberá ação própria de invalidação, ou mesmo em defesa da execução. Ou seja, verificada a violação ao direito, cabe o exame da questão pelo Judiciário” (apud “Curso de Arbitragem”, ed. RT, 2ª ed., 2012, pág. 82/83).
Assim sendo, a entrada em vigor da Lei nº 13.467/17 exigirá prudência por parte das entidades privadas que venham a administrar o processo de arbitragem ou o procedimento de mediação, porquanto essas entidades necessitarão de credibilidade, confiança e competência. Essas funções, de árbitro ou mediador, devem ser desempenhadas com honradez, observando-se os princípios da imparcialidade, independência, boa-fé e indispensável capacitação técnica. Não podemos esquecer a experiência traumática das comissões de conciliação prévia, que tantos efeitos negativos produziram.
Encontramo-nos num novo tempo, que se descortina com muitos benefícios em prol das soluções consensuais dos conflitos de natureza trabalhista.
Às entidades privadas encarregadas da administração da arbitragem ou da mediação competirá divulgar essas novas possibilidades, na seara trabalhista, e desenvolver esforços para adotar boas práticas em conformidade com os princípios legais e éticos, a fim de serem respeitadas pelo mundo jurídico, desempenhando suas atribuições à altura do que se espera o legislador, os trabalhadores, os empresários, os advogados, os membros do Ministério Público e os Juízes e Tribunais trabalhistas.