


Credenciada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - art.167 do CPC. Processo 0000192-30.2017.8.19.0810

IV CURSO DE CAPACITAÇÃO EM MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO


Credenciada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - art.167 do CPC. Processo 0000192-30.2017.8.19.0810
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS MEIOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
O novo Código de Processo Civil, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional, e convertido na Lei federal n. 13.105, de 16 de Março de 2015, entrará em vigor em março de 2016.
Nele, procura-se adotar um novo paradigma para a resolução dos conflitos ocorrentes na sociedade: em vez da cultura do litígio, busca-se instalar a cultura da pacificação, através de um processo civil mais colaborativo, participativo e conciliatório.
Afinal, existem em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, cerca de 100.000.000 (cem milhões) de processos judiciais. Convenhamos que, por melhor que seja a estrutura do Judiciário brasileiro, este não conseguirá dar a resposta que a sociedade exige para a solução de seus problemas.
Vivemos, no século passado e início deste, sob a ideia de que todos os conflitos deveriam ser resolvidos pelo Estado-Juiz, o qual, em substituição à vontade das partes, de forma imparcial e equidistante, daria, de modo impositivo, a resposta aos conflitos, atuando a vontade da lei ao caso concreto.
Assim foi ensinado o direito nas faculdades: o Estado avocou para si o poder de dizer o direito diante do caso concreto. Nisso consiste a jurisdição estatal, não restando parcela de autonomia para os indivíduos resolverem, por si mesmos, suas demandas, ou elegendo um terceiro imparcial para as solucionarem, salvo a previsão da arbitragem que, entre nós, até o advento da Lei n. 9.307/96, tornara-se letra morta.
Daí resultou a cultura do litígio. O advogado raciocina sobre os fatos apresentados pelo seu cliente na perspectiva da ação que irá propor perante o Judiciário em face da outra parte, que se torna adversária. Em nenhum momento pensa-se na possibilidade de um entendimento direto, na busca do diálogo, na identificação do ponto de ruptura deste. Não. Tudo é transferido para o juiz, e este, assoberbado pelo volume de trabalho, realiza, formalmente, centenas de milhares de audiências de conciliação que, na maioria das vezes, resultam infrutíferas, porque sequer o magistrado domina a técnica de bem conduzir uma negociação; ele domina a técnica de dizer o direito, impositivamente, ao caso concreto que lhe foi posto diante de seus olhos.
A cultura do litígio tornou-se tão importante, no meio jurídico, que o advogado, para ser considerado um bom profissional, deveria conhecer mais profundamente o direito processual do que o direito material, vale dizer, deveria dominar mais o meio do que o fim.
Por sua vez, o Estado-administração tornou-se um dos maiores litigantes em nossos tribunais. Partindo dos pressupostos da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, concebidos pela teoria do direito administrativo como pedras angulares do regime jurídico de direito público, o administrador público praticamente não podia negociar, transigir, orientando o seu corpo jurídico a recorrer de todas as decisões judiciais que fossem contrárias à Administração Pública.
Façam uma pesquisa na natureza dos processos pendentes de julgamento na segunda instância do Judiciário brasileiro e nos tribunais superiores, STJ e STF, principalmente, e verão que, majoritariamente, trata-se de questões envolvendo o Poder Público. De certo modo, essa prática é conveniente ao administrador público que, dessa maneira, posterga o pagamento de suas dívidas com os administrados, que são obrigados a ingressar, posteriormente ao julgamento dos recursos, nas filas dos precatórios.
Essa situação de inoperância do Judiciário gerou um movimento entre os juristas, iniciado nos Estados Unidos e na Europa e com repercussão na América Latina, que resultou em modificações na estrutura do processo judiciário brasileiro, na busca de um melhor acesso aos tribunais e consequentemente na efetividade do direito material, porque não basta a lei reconhecer o direito de uma parte, se esta não consegue efetivá-lo num prazo razoável. Direito efetivado tardiamente converte-se em injustiça.
Daí surgiram as leis dos juizados de pequenas causas e dos juizados especiais, cíveis e criminais, e de reformas pontuais no CPC de 1973, que, de certo modo, romperam a sua estrutura, no suposto de que tais instrumentos iriam desafogar o Judiciário.
Ledo engano. A justiça comum continuou abarrotada e os juizados especiais tornaram-se congestionados, em razão de vários fatores: a) a demanda reprimida que veio à tona, sobretudo pela possibilidade de ingresso sem o pagamento de taxas e emolumentos; b) os advogados, alguns com pouco sentido ético, instalaram a “indústria das ações nos juizados especiais”, inclusive com a instrumentalidade de falsidades documentais, e o surgimento dos denominados “advogados audiencistas”, mal remunerados, que participam das audiências nos juizados especiais sem sequer conhecer, muitas vezes, o teor da demanda, frustrando até a obtenção de um acordo.
Resultado: em vez de reduzir os litígios, os novos instrumentos legais os ampliaram, e o Judiciário tornou-se mais pesado, caro, do ponto de vista das despesas públicas, e ineficiente. O grau de insatisfação permanece o mesmo ou foi ampliado.
Por outro lado, os cursos de direito continuaram com a mesma estrutura programática. Com raríssimas exceções, nenhuma palavra sobre os métodos adequados de resolução de conflitos, que não foram inventados pelo homem hoje ou ontem. Nenhuma palavra sobre arbitragem, embora esta seja secular, e estivesse prevista nas leis comerciais e nos códigos de processo civil anteriores; nenhuma palavra sobre conciliação, apenas aquela prevista nas leis processuais vigentes, embora já fosse acolhida na Constituição do Império; e, finalmente, nenhuma palavra sobre mediação, conquanto seja técnica milenar aplicada no Japão e na China.
Portanto, é bom que se observe, ninguém está inventando a roda; apenas, redescobre-se técnicas e instrumentos que não vinham sendo praticados entre nós, por falta de ensino e cultura.
Além disso, não se pense erroneamente, outra vez, que a adoção dessas técnicas e instrumentos será a solução para todas as dificuldades do Judiciário brasileiro.
Se não houver planejamento adequado, preparação de pessoal cartorário e dos magistrados, bem como vontade política de implementar o novo Código de Processo Civil, veremos, em breve, as mesmas insatisfações, as mesmas reclamações, pois teremos três esferas de ação do Judiciário emperradas: a justiça comum e seus tribunais, os juizados especiais e suas turmas recursais e os centros judiciais de mediação e conciliação. Portanto, muita coisa está por fazer e acreditamos que modificações importantes aconteçam.
No tocante ao novo Código de Processo Civil, propriamente dito, vamos destacar alguns artigos que tratam da matéria ora em exame.
Assim, o art. 3º, § 1º, do novo CPC, declara que é permitida a arbitragem, na forma da lei. Entendemos que o verbo mais adequado seria admitir, no sentido de reconhecer, e não permitir, conotando a ideia de consentir ou autorizar.
Mas o § 3º, do mesmo artigo, estabelece que a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Trata-se de princípio a ser adotado pelos operadores jurídicos do processo. Entretanto, devemos salientar que o ser humano só estimula aquilo que ele conhece, confia e acredita. Portanto, deverá ocorrer um prévio trabalho de esclarecimento e convencimento dos juízes, advogados, defensores e promotores públicos, através de cursos específicos, para conhecerem as técnicas de solução consensual de conflitos. Não olvidamos o fato de que o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 2º, Parágrafo único, inciso VI, elenca, dentre os deveres dos advogados, o de estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.
O art. 149, do novo CPC, inclui, entre os auxiliares da justiça, os mediadores e conciliadores judiciais, e, na Seção IV, do Capítulo III, trata especificamente dos conciliadores e mediadores judiciais (arts. 165 a 175). Convém salientar que a conciliação e a mediação judiciais não impedem a possibilidade de ser realizadas conciliações e mediações extrajudiciais, isto é, fora do âmbito do Poder Judiciário, tanto que o art. 175 estabelece que “as disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica”, bem como, em seu Parágrafo único, estatui que os dispositivos da Seção aplicam-se, subsidiariamente, às câmaras privadas de conciliação e mediação.
Com efeito, tramita, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei n. 7169, de 2014, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, com a apresentação de Substitutivo, que regulamenta a mediação, devendo ser enviado ao Senado Federal para exame e posterior sanção presidencial.
A distinção entre mediação e conciliação é estabelecida nos §§ 2º e 3º do art. 165: a) a conciliação deverá ser utilizada nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, isto é, relações pontuais, instantâneas, que se esgotam em si mesmas; b) a mediação deverá ser aplicada nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, como as relações de família, de vizinhos etc.
Além disso, a atuação do conciliador difere da do mediador: o conciliador pode sugerir soluções para o litígio, embora seja vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação, enquanto que o mediador deverá auxiliar aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que os próprios interessados possam, pelo restabelecimento do diálogo, identificar soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Na Parte Especial, o novo CPC, no Livro I, Título I, ao disciplinar o Procedimento Comum, trata, no Capítulo V, da audiência de conciliação ou mediação no art. 334, estabelecendo que o juiz, ao proferir o despacho liminar positivo da petição inicial, deverá designar audiência de conciliação ou mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, a qual não se realizará: a) se as partes manifestarem desinteresse na composição consensual ( o autor, na inicial, e o réu, após ser citado, por petição, até 10 (dez) dias antes da audiência designada), ou b) quando não se admitir autocomposição, como nos casos de direitos indisponíveis, que não admitem transação. Se se tratar de litisconsórcio, todos devem manifestar desinteresse.
Além disso, o novo Código admite que a audiência de conciliação ou mediação seja realizada por meio eletrônico, e o não comparecimento injustificado do autor ou do réu ensejará a aplicação de multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, que será revertida em favor da União ou do Estado. Portanto, se por um lado, ninguém é obrigado a submeter-se a procedimento de mediação ou conciliação, por outro, se autor e réu não manifestar desinteresse pela realização da audiência, e não comparecerem ao ato injustificadamente, sofrerão a sanção processual acima referida.
Ainda no curso do Procedimento Comum, se não for obtido êxito na audiência de conciliação ou mediação, quando da realização da audiência de instrução e julgamento, o juiz deverá conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação ou a arbitragem (art. 359). Neste ponto, há uma imprecisão técnica. A arbitragem, embora seja consensual quanto à sua adoção, resultante do princípio da autonomia da vontade das partes, constitui método adversarial quanto ao seu resultado, e a instauração da arbitragem exclui a jurisdição estatal, tanto assim que, de acordo com o art. 485, VII, do novo CPC, o juiz não resolverá o mérito quando acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência (cláusula kompetenz-kompetenz).
Os acordos obtidos nos procedimentos de mediação ou conciliação, sejam judiciais ou extrajudiciais, constituirão títulos executivos judiciais, desde que homologados pelo juiz (novo CPC, art. 515, II e III).
Ademais, no Título III, da Parte Especial, que disciplina os Procedimentos Especiais, o novo Código de Processo Civil, no Capítulo X, trata das Ações de Família, que englobam os processos judiciais de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação (art. 693). No Parágrafo único, do referido artigo, a lei processual estabelece que as disposições do Capítulo X serão aplicadas, no que couber, isto é, naquilo que não contrariar a legislação específica, às ações de alimentos e as que versarem sobre os interesses da criança ou de adolescente.
No artigo 694, o novo CPC, enfaticamente, declara que, nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento (ex: psicólogos e assistentes sociais) para a mediação e a conciliação e o art. 695 dispõe que o juiz, ao receber a petição inicial, e após adotar as providências necessárias à tutela provisória, ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação.
Neste ponto, o novo CPC difere do tratamento adotado no artigo 334: no procedimento comum, as partes podem manifestar desinteresse pela adoção dos procedimentos consensuais da mediação ou conciliação; nas ações de família, não há essa possibilidade, pois o juiz ordenará, independentemente da vontade das partes, a realização da audiência de mediação e conciliação, à qual as partes comparecerão acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos. Trata-se de norma cogente, em razão da natureza da relação jurídica de direito material, relações de família que se protraem no tempo, sobretudo quando há filiação.
Este é, em linhas gerais, o arcabouço do novo Código de Processo Civil, no tocante aos métodos consensuais de resolução de conflitos.
O sucesso ou insucesso de sua adoção dependerá da preparação adequada dos operadores do direito – juízes, advogados, defensores e promotores públicos – bem como da divulgação e esclarecimentos quanto à natureza e objetivos desses instrumentos consensuais de solução de conflitos junto aos diversos segmentos sociais.
Não se pode esquecer que esses métodos possuem forte carga pedagógica, porque importam num novo modo de ver a vida individual e social, o mundo e suas circunstâncias. Tudo isso exige duas coisas: educação e cultura.
Durval Hale
Juiz de Direito aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Árbitro, Mediador e Presidente da CCMA-RJ.